quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Matéria da Folha de hoje

A disparada do dólar em setembro reduzirá a dívida pública em cerca de R$ 40 bilhões, segundo projeção feita a partir de dados do Banco Central. A queda se explica pelo saldo acumulado nas reservas em moeda estrangeira do governo, que, em reais, se valorizam quando a moeda dos EUA fecha em alta.
No fim de agosto, o endividamento estava em R$ 1,183 trilhão, ou 40,5% do PIB (Produto Interno Bruto). O BC estima que, com o dólar a R$ 1,90, a relação entre dívida e PIB deve cair para menos de 40%, o que não ocorre desde 1998.
"Nossa dívida em dólar não existe mais. Por isso, ao contrário do que acontecia antes, uma desvalorização do câmbio reduz a dívida líquida do setor público", afirma o chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes. Para calcular a dívida pública, o BC soma compromissos a pagar assumidos por governo federal, Estados, municípios e empresas estatais e desconta as aplicações.
As maiores são as reservas internacionais, que crescem graças à compra de dólares pelo BC -anteontem, estavam em US$ 207,9 bilhões. E, como o dinheiro das reservas é investido sobretudo em títulos do Tesouro dos EUA, elas se valorizam sempre que o dólar sobe.


---- meus comentários ----

Segundo a matéria, "A disparada do dólar reduzirá a dívida pública em R$ 40 bilhões". Este é apenas o efeito cambial sobre a dívida pública ou a dívida pública vai cair em seu total cerca de R$ 40 bilhões? O leitor fica sem saber.

Desconfio que seja apenas o efeito cambial, pelo jeito que está escrito. Talvez tivesse sido melhor especificar que esta não é a queda da dívida por completo, mas só o efeito da variação do câmbio sobre ela. A queda pode ser maior ou menor, dependendo de outras variáveis, como o pagamento de juros e o superávit primário.

Se, ao contrário do que penso, isso significar a queda total da dívida, ela não será causada apenas pela variação do câmbio, já que existem outras variáveis em jogo. Entretanto, o segundo parágrafo parece apontar para isso. Ele diz: "O BC estima que, com o dólar a R$ 1,90, a relação entre dívida e PIB deve cair para menos de 40%". Essa relação entre a dívida e o PIB só faz sentido se for a dívida total.

Ou seja, a meu ver, o primeiro parágrafo fala sobre o efeito do câmbio na dívida. Já o segundo parágrafo fala sobre a dívida completa. Como não se especifica, no primeiro parágrafo, que é o efeito do câmbio sobre a dívida, o leitor tende a pensar que toda a queda da dívida em 2008 se deve ao câmbio. Não é verdade.

De acordo com matéria publicada no Valor de hoje, "mesmo com o que houve em agosto, o efeito cambial acumulado desde janeiro foi no sentido de elevar a dívida, em 0,7 ponto percentual do PIB. Os juros, incluídos ajustes de swap, contribuíram com elevação de mais 4,1 pontos de PIB. Esses dois efeitos, no entanto, foram mais do que compensados pelo impacto redutor do superávit primário (isoladamente de 3,7 pontos percentuais de PIB) e pelo próprio crescimento do produto, que também gerou queda de 3,3 pontos de PIB no saldo".

O câmbio teve portanto uma participação expressiva sobre a dívida neste ano, isso é inegável. Mas, do jeito que a matéria foi escrita, parece que a desvalorização do câmbio determinou a diminuição da dívida em 2008. Como apontado acima, isso é incorreto.

Outras questões:
"A queda se explica pelo saldo acumulado nas reservas em moeda estrangeira do governo, que, em reais, se valorizam quando a moeda dos EUA fecha em alta."

Se o saldo está acumulado em moeda estrangeira, não pode estar em reais. Do jeito que está escrito, o texto confunde o leitor. Talvez fosse melhor ter escrito: "A queda se explica pelo saldo acumulado nas reservas em moeda estrangeira do governo, que se valoriza face ao real quando a moeda dos EUA fecha em alta".

Por fim: a declaração de Altamir Lopes não é exata. O governo tem sim títulos ainda indexados em dólar, que causaram prejuízos de 400 milhões só em agosto. Embora esses títulos tenham diminuído muito do começo da década para cá, é inexato afirmar que o governo não mais os possui.

Um comentário:

John disse...

Tudo bem que o jornalista deva sofrer uma pressão lascada para cumprir prazos e o escambau, mas escrever com clareza é o mínimo do mínimo.

Voltei ao mundo dos blogs, agora também com contos no Do Mau Gosto da Matéria: http//:domaugostodamateria.wordpress.com